Em 20 de dezembro de 2018 foi publicada a Lei n.º 13.777 que, acrescentando novos artigos ao Código Civil, permite a aquisição da propriedade em forma condominial multiproprietária e que pode criar novas possibilidades de utilização ao imóvel rural.

Em tempos de economia compartilhada, a multipropriedade ou “time sharing” é uma solução para o elevado custo dos imóveis e sua utilização. A lei brasileira acolheu a multipropriedade imobiliária, muito embora o instituto já vinha sendo utilizado e reconhecido no Brasil há algum tempo.

A multipropriedade pode ser aplicada tanto aos imóveis urbanos como aos imóveis rurais. Neste tipo de imóvel, deve-se, entretanto, observar as peculiaridades próprias do local onde se exerce atividade agrária, que é ditada pelo ciclo agrobiológico da natureza.

No condomínio geral todos são donos ao mesmo tempo de um mesmo imóvel e exercem todos os poderes inerentes a propriedade (usar, gozar, fruir, dispor e reaver de quem injustificadamente detenha a propriedade) ao mesmo tempo sobre todo o imóvel.  A multipropriedade implica em um condomínio onde, em que pese todos serem donos de um mesmo imóvel, exercendo todos os direitos inerentes a propriedade sobre todo o imóvel, não são donos ao mesmo tempo e exercem em tempos diferentes os poderes inerentes a propriedade. Assim todos são donos de um mesmo bem, mas em tempos diferentes. Cada multiproprietário terá direito de usar, gozar, fruir, dispor e reaver de quem injustificadamente detenha o imóvel, mas no limite de sua fração de tempo, conforme estabelecido na convenção. É o parcelamento temporal do imóvel.

Entre as características próprias do imóvel multipropretário é ser indivisível, sendo impossível qualquer ação de sua divisão ou extinção.

A multipropriedade inclui as instalações, os equipamentos e mobiliário destinado ao uso e gozo do imóvel pelo multiproprietário que tem o dever de zelar por eles, sendo responsáveis pela sua conservação.

As frações de tempo que compõem a multipropriedade não podem ser divididas. O legislador permite o tempo mínimo de utilização de 7 dias para cada fração. O parcelamento temporal do imóvel não permite subdivisão. Por hipótese, uma multipropriedade pode ter no máximo 52 titulares, detentores de unidades periódicas. As divisões das frações de tempo podem ser fixas e determinadas no período de cada ano.  Podem ainda ser flutuantes, caso em que a determinação do período será realizada de forma periódica, mediante procedimento objetivo que respeite, em relação a todos os multiproprietários, o princípio da isonomia, devendo ser previamente divulgado; ou misto, combinando os sistemas fixo e flutuante. Todos os multiproprietários terão direito a uma mesma quantidade mínima de dias seguidos durante o ano, mas nada impede que essas frações sejam maiores.  A instituição se dá por ato inter vivos ou testamento, registrado no competente cartório de registro de imóveis com as respectivas frações de tempo, podendo, ainda, ser estabelecido o limite máximo de frações de tempo que poderão ser detidas pela mesma pessoa natural ou jurídica. Poderá ainda ter uma fração destinada à realização, no imóvel e em suas instalações de reparos necessários ao exercício das atividades ali realizadas. Essa fração poderá ser atribuída aos multiproprietários, proporcionalmente às respectivas frações.

No exercício da atividade agrária, deve ser observado o ciclo agrobiológico que lhe é imposto. Os contratos agrários têm prazos inarredáveis de sua vigência de acordo com a atividade que é realizada. Mas essa legislação ainda em vigor (Estatuto da Terra e Decreto 59.566/66) não mais representa o tempo desse ciclo, em face da modernização das técnicas de cultivo e criação. Desta forma, os multiproprietários deverão disciplinar sua fração de tempo de acordo com sua atividade, observando o respeito ao término da colheita.

A lei permite que se aplique, no que couber, as regras da instituição do condomínio edilício. Na constituição deverão ser observadas os poderes e deveres dos multiproprietários. A utilização comum de instalações, equipamentos e mobiliário do imóvel, de manutenção ordinária e extraordinária, de conservação e limpeza e de pagamento da contribuição condominial, deve ser desde logo estabelecida com vistas a eventual responsabilização por qualquer dano.

É também interessante que haja um administrador condominial, em face dos diversos multiproprietários e o exercício de suas respectivas atividades. O administrador irá fazer a conexão entre eles e a organizará a manutenção e custeio do imóvel e seus equipamentos.  É claro que em imóveis com poucos multiproprietários que se conhecem e eventualmente tem laços que extrapolam a relação puramente negocial, a figura do administrador possa não ser necessária.  Mas caso os multiproprietários optem por um administrador, as regras para o seu exercício devem estar disciplinadas nos termos do que a lei determina, como em certos tipos de multipropriedade que não a rural. A opção pela instituição do Administrador ficará a critério dos proprietários rurais, na medida da complexidade de suas atividades.

A criação de um fundo de reserva, a aplicação de multa aos multiproprietários, a partilha do seguro no caso de impossibilidade de recuperação do imóvel destruído, deverá ser regulamentado entre os titulares, da mesma forma que no condomínio edilício.

Existem direitos que são inarredáveis como o uso e gozo do imóvel no lapso temporal; a cessão da fração de tempo em locação ou comodato; a possibilidade de alienar sua fração de tempo, bem como onera-la. Dependendo de sua complexidade, a vida condominial será deliberada mediante assembleia dos multiproprietários.  No caso da oneração, antes mesmo da promulgação da lei, a jurisprudência já reconhecia a possibilidade de a fração temporal garantir obrigações do multiproprietário. Também será possível dar em garantia real, como na anticrese, onde se permite que o credor se utilize do imóvel (no caso, em sua fração temporal) como forma de compensar a dívida. Como se vê, não haverá solidariedade entre os condôminos multiproprietários pelas dividas que cada um assumir. Cada um responde por suas obrigações, inclusive com a eventual perda de sua fração temporal, em favor do credor.

Quanto às obrigações dos multiproprietários há o dever de pagar a contribuição condominial, ainda que renuncie o uso e gozo do imóvel e/ou suas instalações; responder pelos danos a que der causa; não alterar os equipamentos e instalações do imóvel; não alterar a destinação e finalidade do imóvel; não extrapolar o tempo correspondente a sua fração; pagar as despesas relativas ao uso normal e do desgaste natural do imóvel.

A transferência da multipropriedade, feita mediante registro imobiliário não depende da anuência ou cientificação dos demais multiproprietários, a não ser que tenha sido estabelecido na convenção condominial.

A adoção dessa forma condominial implica em otimização da propriedade imobiliária rural, reduzindo seu custo de aquisição e manutenção, dando maior aproveitamento econômico ao imóvel. É mais um instrumento que poderá ser utilizado para aquisição de imóveis rurais e o compartilhamento de despesas relativas aos insumos necessários para o exercício da atividade agrária, além de otimizar a propriedade no cumprimento de sua função social da propriedade imobiliária rural.